Amostras
Um pequeno resumo de alguns dos 13 capítulos do livro, para estimular sua curiosidade.
Lodz
Não foi nada fácil comprovar a rua onde dona Sara me disse que morou, no gueto de Lodz, na Polônia. A cidade ora esteve sob domínio alemão, ora polonês, ora russo e, a cada transição, o dominador adotava diferentes nomes para suas ruas. A que se chamava Cegielniana, em 1925, por exemplo, manteve o nome em 1933. Mas, em 1939, mudou para Moltkestrasse e, em 1945, trocou de nome novamente, agora para Jaracza, permanecendo assim até hoje, mesmo depois da queda da União Soviética, em 1990. Por sorte encontrei uma tabela que organizava as mudanças de nomes das ruas ao longo do tempo, o que me permitiu localizar o exato endereço de Sara: rua Brzezinska, 46. Antes de se casar com Sara, Jacó morava no número 32 da mesma rua.
A infância
O nome de Sara, na verdade, é Szajndla. Antes de ser obrigada a se mudar para o gueto, sua família morou num pequeno apartamento em Lodz, no terceiro andar de um predinho de seis pavimentos sem elevador. Havia um pátio para brincar, além de um jardim e uma horta coletiva, onde a menina aprendeu a plantar e a colher batatas e cebolas. Sara estudou numa escola com judeus e não judeus, mas sua mãe não deixava as amiguinhas gentias entrarem em casa. O fantasma dos pogroms fez de Hanna, a mãe de Sara, uma mulher muito reservada, que celebrava o Shabat e as festas judaicas somente em casa. Mas, ao mesmo tempo, mantinha relação duradoura com suas amigas judias de infância. Sara aprendeu o valor da verdadeira amizade observando a mãe compartilhar com elas o cuidado com as crianças, o pouco alimento e o carvão. Foi isso o que a salvou anos mais tarde.
O Gueto
Estava ainda escuro e muito frio na madrugada de 6 de março de 1940. Sara tinha apenas 20 anos quando a família foi arrancada de casa pelos soldados nazistas. Armados, davam ordem para que saíssem portando somente o que conseguissem carregar. Era sair ou morrer, eles berravam. Na rua, os vizinhos judeus, com estrelas pregadas nas roupas, seguiam atônitos, em fila. O destino era o gueto de Lodz. Para milhares seria a antessala da morte. Para a mãe de Sara o fim estava a poucos passos.
A mãe
Quando menina, Sara acompanhava a mãe Hanna na colheita de batatas, ou na ida às feiras de Lodz. Ali compravam cebolas e legumes e, às vezes, doces e chocolate. Na primavera e no verão, era seguro brincar no pátio do bairro judeu. Mas, no rigor branco do inverno, só restava ficar com a mãe na velha cozinha, coberta de azulejos estampados. No fogão de lenha, Hanna cozinhava, com o pouco que tinham, delícias que a senhora Sara jamais esqueceu. Compotas, bolo de maçã e gefilte fish, o tradicional bolinho de peixe servido principalmente aos sábados, no Sêder de Pessah e no Rosh Hashaná.
O pai
Sara é filha do segundo casamento de Hersz Figelska. Quando ela nasceu, o pai já tinha tido um filho, mas sua esposa morreu pouco depois do parto. O menino foi criado pelos avós maternos, em Luxemburgo, e há uma questão que ligará os dois meio-irmãos que só você lendo o livro para acreditar. Hersz estudou na Rússia quando jovem, o que lhe garantiu um emprego bastante razoável numa das mais importantes indústrias de artigos esmaltados da Polônia e de toda a Europa. Na lembrança de Sara restaram os hábitos prosaicos daquele homem calmo e de pouca fala. Ele gostava de ler e escrever em russo e de ouvir as notícias da Polônia e do restante do mundo transmitidas pela Rádio Moscou, a despeito do risco que isso significava naquela época.
Jacó
Em 1941, Sara conseguiu um emprego numa das oficinas do gueto de Lodz. Nelas eram produzidos os uniformes dos soldados alemães. O que ganhava mal dava para comprar algum alimento ou produto de higiene que entrava no gueto por contrabando. Jacó morava a poucos metros dela, e também trabalhava numa oficina, costurando sapatos para os nazistas. Começaram a namorar no ano seguinte e se casaram em 1943. A compaixão, mais do que o amor, foi a chama de esperança que os uniu para seguirem sobrevivendo. Mal sabiam das agruras que teriam de enfrentar, sozinhos, dali em diante.
A rotina
Casados, Sara e Jacó se mudaram para outro apartamento, no gueto de Lodz, que passaram a dividir com mais três famílias. As roupas que usavam não eram mais deles, e era melhor não perguntar de quem haviam sido. O carvão que os soldados distribuíam para o aquecimento, no inverno, nem sempre dava para todos. Eles se levantavam às cinco da manhã. Saíam para trabalhar quase sempre sem comer. A primeira refeição era na fábrica, perto do meio dia, só para quem tivesse terminado sua cota de peças para costurar. A comida era o único pagamento e eles trabalhavam dez horas por dia, inclusive aos sábados. Enquanto sorvia aquele caldo ralo, às colheradas, Sara procurava sentir o sabor do borscht que sua mãe fazia com as beterrabas plantadas na horta comunitária, que ainda persistia na sua memória.
Adeus, Lodz
No dia 21 de julho de 1944, uma notícia se espalhou pelo gueto. Hitler tinha sobrevivido a um atentado na véspera, na Alemanha. Os judeus se agarraram a ela, na esperança de que o fim da guerra estivesse próximo. No dia 2 de agosto, o exército soviético chegava à periferia de Varsóvia. No dia seguinte, no entanto, as deportações do gueto de Lodz foram retomadas. Sara ouviu dizer que os que tivessem cartão de trabalho seguiriam trabalhando no novo destino. Outros diziam que aquilo era mentira dos soldados alemães, para acalmar a população e facilitar o embarque nos trens. No dia 30 de agosto não havia mais ninguém em Lodz. O último trem partiu da estação de Radegast levando os que haviam restado, Sara e Jacó entre eles, rumo a Auschwitz.
O trabalho liberta
Sara, Jacó e Rushka, a amiga inseparável, suportaram aquela viagem de Lodz a Auschwitz por 12 horas infindáveis. Em pé, num vagão de carga, sem janelas, abarrotado de gente. Muitos desmaiaram de calor, de sede, de falta de ar. Alguns se agarravam a fantasias, a delírios para suportar tamanho sofrimento. Acreditavam que seguiam para outra fábrica e que o trabalho, como dizia o letreiro no portão do campo de concentração, os libertaria. Muito poucos sairiam de lá com vida. No desembarque, os soldados nazistas logo separaram Jacó. Sara viu o marido sumir na escuridão sem saber se voltaria a vê-lo.